quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

A Master's Death


Morreu aos 78 anos um dos nomes maiores da dramaturgia contemporânea: Harold Pinter. Deixo-vos para ler a elegia fúnebre de um crítico de teatro, Michael Billington, que escreveu até à data a única Biografia disponível sobre este autor. Para ler aqui.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

From Glasgow With Talent

Eles são os Glasvegas e têm a ousadia de cantar com pronúncia do Norte, i.e. escocesa, e ainda por cima na cerrada pronúncia de Glasgow. Aqui fica o single que faz plena justiça ao álbum homónimo e que espero vos deixe com vontade de ouvir o resto com a garantia que não vão ficar desiludidos.



Ah e as legendas são porque não encontrei mais nenhum video no youtube que pudesse transportar para aqui sem uma autorização especial não percebi muito bem de quem...mas sempre ajuda a perceber a ironia e a tragédia que atravessam a canção.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Não se deixem enganar pelas aparências


Embora se chamem "Of Montreal" na realidade são dos EUA, mais precisamente da cidade de Athens no estado da Georgia. Activos em termos discográficos desde 1997 só agora nos assombram com um album verdadeiramente viciante, dancável, irónico, Beckiano, Beckettiano, Post-Freudiano, Funky, provocatório e que vem acompanhado por um espectáculo ao vivo que, segundo alguma empresa norte-americana é melhor que a Sticky & Sour Tour, aquela que vai deixar os bolsos da Madonna ainda mais recheados; claro que não vão passar cá pelo burgo mas sempre podemos fazer por isso comprando e ouvindo o surpreendente "Skeletal Lamping".
Para ilustrar deixo-vos aqui a versão video do single "Id Engager"

domingo, 7 de dezembro de 2008

Lily On The Right Track



Lily Allen tem album novo que vai sair em Fevereiro; até lá aqui fica o single de entrada "The Fear" que nos anuncia um trabalho à altura do primeiro, o excelente "Alright, Still".

terça-feira, 25 de novembro de 2008

It's a Killer's Christmas Time



O novo álbum dos The Killers, "Day & Age", acabou de sair ontem e nada melhor que celebrar esse facto com o vídeo de um single saído o ano passado e que vem a propósito da quadra que se avizinha, isto enquanto não chega o deste ano resultante da colaboração com o Sir Elton John.

O novo álbum tresanda a Bowie mas é bem mais superficial e kitsch, reflectindo de modo perfeito os tempos que correm. Feito à medida da nossa contemporaneidade, cheio de influências dispares, já sem pilosidades capilares, e que nos deixa com uma vontade irresistível de dançar, durando apenas o tempo exacto de cada canção aspirante à mais perfeita imperfeição.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Audiências


Se houvesse Broadway ou West End em Portugal onde os poderíamos situar? Algures entre o teatro Mundial e o da Trindade passando pelo Politeama e por vezes até pelo Nacional, seria no entanto um “bairro” de teatro demasiado abrangente em termos geográficos; para além desse fosso cartográfico seria possível detectar outra diferença, talvez mais importante, a qualidade dos espectáculos que embora não seja uma garantia em termos absolutos, quando se fala dos bairros teatrais londrinos ou nova-iorquinos, no caso dos espectáculos que passam pelas referidas salas portuguesas podemos afirmar, sem grande margem de erro, que qualidade é algo ausente na maioria dos casos e exemplos não faltam, a juntar a esse rol podemos agora adicionar o espectáculo que se encontra em cena no Teatro da Trindade “Boa Noite Mãe” de Marsha Norman com encenação de Celso Cleto.
Desconfia-se que este espectáculo não passa de um veículo para preencher o curriculum de uma actriz que ficou conhecida por fazer novelas da TVI, Sofia Alves, e nele só existe um elemento que se salva, a personagem construída pela actriz Manuela Maria, tudo o resto encontra-se ao nível do medíocre desde a encenação, aos figurinos e cenário, tudo respira preguiça de ideias e conteúdos e nem o facto da peça ser um prémio Pullitzer a resgata de tanta falta de talento concentrado no mesmo espaço e tempo. Apesar de tudo é-nos dado perceber que até seria possível sustentar o espectáculo se estivéssemos na presença de duas actrizes de talento comparável, infelizmente é aí que o desequilíbrio mais se faz sentir. Sofia Alves que tinha entre mãos a monumental tarefa de construir uma personagem complexa em termos psicológicos, a qual nos anuncia desde o início da peça que se vai suicidar, resolveu este problema, que seria um dilema para qualquer actor, através do uso de uma expressão facial única, um esgar que para infelicidade dela se pode associar muito facilmente a um pensamento do tipo “não devia ter feito chichi nas cuecas e se sou descoberta a mamã vai-me bater” com a agravante de juntar a essa expressão facial imutável, resultante da triste ideia que a senhora tem sobre o que é representar, temos ainda um texto gritado monocordicamente ou, para lhe fazer alguma justiça, gritado ao ritmo de uma lenga-lenga que ao fim de dez minutos seria o suficiente para fazer sair da sala qualquer pessoa que preze a sua sanidade mental; felizmente para nós está por lá a Manuela Maria para nos brindar com excelentes exemplos de como é representar, exemplos que se tornam ainda mais óbvios quando em contraste com aquilo que nunca deveria ser representar.
Espectáculo de fugir mas como em palco até podemos encontrar um trabalho rigoroso e notável da actriz Manuela Maria, talvez se deva fazer o sacrifico de ficar até ao fim, quanto mais não seja porque no final também somos brindados com um momento de humor negro acessível apenas a alguns, isto porque passadas quase duas horas, de uma espécie de tortura, nada melhor para terminar esse pesadelo teatral do que fechar a personagem da Sofia Alves no quarto e deixar que ela se suicide, para grande alívio dos nossos olhos e ouvidos.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Monumental Dark Music


O mestre Scott Walker deu uma entrevista ao Observer só para adensar ainda mais a razão do mistério das suas criações e da sua personalidade que foi de pop brightest star para not so pop darkest star . Mais uma criatura incontornável que vai ser homenageada no Barbican, nos próximos dias 13, 14 e 15 de Novembro, em concertos apadrinhados por pupilos da mais elevada estirpe como o Jarvis Cocker ou o Damon Albarn.

É em momentos como este que eu lamento profundamente já não viver em Londres ou não ter sido um administrador do BPN.
Mas para quem puder corra até à bilheteira virtual do Barbican e compre esses preciosos bilhetes, já!

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Cultural Shower


Nas últimas semanas foram-me acontecendo espectáculos e livros e filmes e exposições sobre os quais nada disse e porque já não me apetece dizer muito deixo aqui apenas uma lista para os ajudar a fixar na minha memória e vou-me deixar levar pela tentação das estrelas, mas só nalguns casos:

Exposição sobre o Imperador Adriano no British Museum 5 ***** (Pena haver tanta gente na manhã da minha visita, mas comprei o excelente livro/catálogo que acompanha a exposição e assim posso ver tudo com mais calma cá por casa)

In-i Juliette Binoche/Khan no National Theatre 4 **** (Porque o monólogo da Binoche colada à parede precisa de ser trabalhado, de resto ela dança melhor que qualquer celebridade do Dança Comigo)

Lago Dos Cisnes pelo Royal Ballet na Royal Opera House 4 **** (Porque a Prima Ballerina não era a Alina Cojocaru e o Thiago Soares não estava num bom dia)

Indignation – Philip Roth 5***** (Eu escreveria In-Dig- Nation mas essa é a minha mania de ver para além das palavras)

Black Mass – John Gray (Sem classificação porque ainda não o li todo mas perece-me quase tão bom como o Straw Dogs)

The Master of Petersburg – J.M. Coetzee (Autor que nunca li e do qual já tinha ouvido falar com muito entusiasmo por parte da Maria Dulce Cardoso, escritora maior das nossas letras, sim essa é a razão da minha vontade de o ler (o Nobel não chega); isso e o facto de ser uma dramatização sobre a vida do Dostoievsky.

The Separate Heart & other stories – Simon Robson (Um conjunto de contos de um autor da nova geração que me deixou muito curioso)

Thames (Sacred River) – Peter Akroyd 5***** (Para ler acompanhado pelo magnífico London do mesmo autor.)

Naked – Mike Leigh (Um dos filmes da minha vida por razões que nem é preciso explicar porque as obras primas não se explicam)

Mahabharata – Peter Brook (Uma das minhas memórias mais felizes da televisão a par com Decálogo do Kieslowsky)

Regarde La Mer and short films do François Ozon – (Excelente edição da BFI com um pequeno livro com ensaios sobre o meu realizador francês dilecto da actualidade, se realizasse gostava que fosse como ele)

The Page Turner realizado por Denis Decourt (Resultante de uma curiosidade instilada por leituras várias, neste caso é só faro e vou às cegas. Ainda não sei se me enganei porque ainda não o vi)


Nip/Tuck (4ª Série) – É complicado às séries post- “six feet under” sobreviverem de um modo digno e esta nem com muita operação plástica de dramaturgia deixa ser uma espécie de mau filme porno, sem as cenas explicitas de sexo, e com estrelas decadentes de Hollywood a darem um ar de sua graça.

Siegfried do Richard Wagner no São Carlos - *****5 (Pela encenação do Graham Vick, genial desde o início do ciclo) ***3 (Pelo resto que está pouco acima da média, Wagner cantado e tocado de um modo sloppy nunca resulta)

Paris realizado por Céderic Klapisch com a dupla Binoche/Duris ***3.

Le Silence de Lorna dos irmãos Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne ****4.

Ler a Ler


Desde que a revista Ler recomeçou a decorar as bancas de jornais e algumas prateleiras de hipermercados de livros com pretensões a livraria de culto, leia-se FNAC, comprei-a duas vezes: a primeira por curiosidade, sórdida, a mesma que me leva por vezes a comprar uma revista cor-de-rosa e da segunda vez porque na capa era anunciado um conto inédito do José Cardoso Pires. Da primeira vez serviu-me para constatar aquilo que já sabia, ou desconfiava, que é uma revista de amigos composta em grande parte por grandes promessas da literatura contemporânea portuguesa algumas das quais viram a primeira luz do dia literário no defunto, ou semi-moribundo, DN Jovem. Não tenho nada contra a amizade, ou contra o facto de se dar trabalho aos amigos, só me causa algumas reticências quando os amigos pensam todos da mesma maneira limitam-se a ecoar a opinião uns dos outros, porque isso empobrece qualquer amizade e por consequência qualquer actividade sustentada nesse tipo de relação.
A revista em termos gráficos evoluiu muito pouco desde a última vez que (a)pereceu nos escaparates, no entanto passaram alguns anos e como tal seria expectável que alguma coisa tivesse acontecido pelo seu interior. Podiam começar por brindar os colaboradores com umas fotos menos tipo cartão viva Lisboa, as quais não lhes fazem justiça. Este é, no entanto, um pormenor humorístico sem metade da graça de alguns dos textos escritos por esses mesmos colaboradores. Comecemos então pelo editorial escrito pelo Francisco José Viegas, director e mentor, e antes de mais salutá-lo por ser um editorial de duas páginas, daqueles como já não nos é dado ler muito frequentemente, onde se faz um pouco de auto-promoção, característica do escritor, sobre um programa de sua autoria que vai ser emitido em breve na RTPN. O tom mais sério, do editorial, e imagino que a sua razão de ser resulta da continuidade de uma discussão, que já vem do número anterior, e da qual me foi dado um vislumbre numa destas noites de Domingo quando fiz uma paragem pelo programa da Paula Moura Pinheiro, onde esta jornalista havia sentado frente-a-frente o Viegas e a Isabel Alçada, a das Aventuras, e onde se discutia a importância da introdução dos autores “do cânone” no curriculum escolar. Nesta discussão o Viegas, obviamente, mostrava-se indignado pela ausência desses mesmos autores do programa escolar, e para o demonstrar de uma forma veemente, a meio da discussão, saca do Moby Dick, do Herman Melville, assim a jeito de quem não quer a coisa, e nesse momento nalguns esclarecidos lares portugueses deve ter surgido um sorriso nos lábios de meia dúzia de incautos. O sorriso poderá ter origem em várias emoções, mas lá por casa venceu a da ironia, é claro. Aquela brilhante sugestão deve-lhe ter surgido no intervalo de dois charutos cubanos e dessa fumaça ele lá deve ter visto surgir a baleia branca a ser perseguida pelo feroz capitão Ahab, história para interessar sem dúvida à geração “Morangos Com Açucar”. Escusado será dissertar mais sobre este assunto uma vez que ele é autorevelatório, e sem sequer recorrer ao antigo nitrato de prata percebe-se muito bem o que está lá à espera de ser descoberto. Eu podia dar algumas pistas mas existem coisas que soam melhor caladas porque depois de ditas se tornam triste e trágicas. Só me questiono sobre a escolha deste livro em particular, talvez porque é mais butch que qualquer um dos livros de Charles Dickens ou algum conto do Oscar Wilde, autores concerteza de “cânone” afirmado mas de pena demasiado leve para o Viegas, sim leve nesse sentido; para já não falar nos vários volumes do “Em Busca do Tempo Perdido”, e livro mais canónico não deve haver, mas cujos subtítulos não ajudam, explicar Sodoma, Goromorra ou o que são raparigas em flor às criancinhas só deve ser possível depois de alguns meses de Magalhães, e para além disso ter que escolher um volume em detrimento dos outros seria sempre uma missão impossível para leitor de cânones que se preze.
Outro momento merecedor de destaque é a crónica do Jorge Reis-Sá onde se disserta sobre Philip Roth de um modo tão superficial que nem mesmo aquela senhora da escrita light seria capaz de igualar; mas ora aí está o Roth, desde há uns anos para cá é um eterno candidato ao Nobel e escritor maior da constelação literária (aqui não há espaço para qualquer ironia, desculpem lá qualquer coisinha) que felizmente não precisa deste tipo de crónicas, mas que não pode evitar ser usado por quem asseia obter pontos literários sempre que o seu nome é citado.
Depois temos a crónica do Pedro Mexia sem dúvida engraçada, de humor fino e refinado e que eu arrisco a anunciar como do melhor que a revista tem, embora os temas sobre os quais ele versa sejam cada vez mais de velho precoce há que admitir que ele escreve bem, tout cours, por muito que as suas opiniões por vezes me irritem e se encontrem no pólo oposto das minhas, (in)felizmente encontro mais coisas em comum com ele do que aquelas que desejaria; aliás este é um fenómeno que me acontece com outro indivíduo, o Pereira Coutinho, e tenho que reconhecer, ainda bem que assim é porque ambos escrevem como poucos cá por este burgo.
Vale ainda a pena ler o conto do José Cardoso Pires, porque é sobre os fantasmas do Pessoa à solta pela cidade que tanto amo, Álvaro de Campos à procura da sua Daisy em Lisboa, que através das mãos de Cardoso Pires passa a ser aquilo que só poderia ser, uma carícia profunda e sentida à nossa capital e uma vénia emocionante ao nosso poeta maior. Depois há ainda o resto do dossier de homenagem ao escritor lisboeta, com declarações de amigos e ensaios sobre a obra e livros mais relevantes.
Finalmente há a crónica do Eduardo Pitta com o seu tom bitch cada vez mais apurado, ainda sem a secura de um Edmund White ou a erudição despreocupada de Gore Vidal, mas algures lá pelo meio há-se surgir uma voz sem dúvida original; talvez quando ele deixar de querer emular qualquer uma destas suas, óbvias, referências.
No fim e em suma, apesar do director e de alguns textos, foram muito bem empregues os € 5 que dei pela revista.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Quizzie Time



Vou deixar-vos por uns dias porque amanhã parto para Londres. Vou ver a dupla Binoche/Kahn no National Theatre, o Lago Dos Cisnes pela enésima vez na Royal Opera House (desta vez com um elenco em português do Brasil), comprar, ver e consultar livros até à exaustão na Waterstones, Foyels e Blackwell, comprar CD's e DVD's na HMV e Fopp (que agora parecem ser a mesma coisa...), ver a exposição do Adriano no British Museum e a do Bacon na Tate Britain e se ainda tiver tempo espreitar a extravagância dos candidatos ao Turner prize deste ano que estão alojados pela Tate Modern. No entanto não quero partir sem vos deixar entretidos com um questionário primoroso sobre a censura, isto a propósito da semana de protesto promovida pela ALA (American Library Association).
Pela liberdade dos livros para que nunca nos esqueçamos da nossa.

Preparados?

1 2 3

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O'er the land of the free and the home of the brave!


O título deste post é retirado da letra do hino dos EUA e serve de reflexão pois na terra da apregoada liberdade quer-se agora fazer censura ao livro de Philip Pullman, "Northen Lights", primeiro volume da triologia "Dark Materials"; infelizmente isto não é novidade porque censura já tem havido noutras ocasiões, por exemplo Gore Vidal já escreveu sobre isso e para bem da sanidade dessa nação ainda pode continuar a fazê-lo.
Para mais pormenores e saber o que o autor censurado pensa sobre o assunto pode ler-se aqui e aqui

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Dumb It Down


A língua inglesa para além do mérito de ter evoluído sustentada pelo talento de nomes como Shakespeare ou James Joyce permite condensar ideias, por vezes complexas, através do uso de duas ou três palavras. Um desses exemplos é a expressão Dumb It Down que embora traduzível expressa melhor o que quer dizer na sua língua mãe.
Did
é o que está a acontecer com a Educação em Portugal e desenganem-se aqueles que pensam que este é um fenómeno que só passa pelo ensino básico ou secundário, a universidade já se encontra contaminada com esta ideia, muito mais depois de se estarem a tornar, cada vez mais, empresas cujos clientes são os alunos que pagam não para aprender mas sim para concluir os cursos depressa e com elevadas notas. Assim há a garantia de se ter clientes muito satisfeitos com os serviços e empresas que funcionam melhor porque bem oleadas pelo fluxo contínuo de dinheiro, que o estado se vai demitindo, de ano lectivo em ano lectivo, de facultar. Este é um processo que se encontra em desenvolvimento mas que ainda não está na ordem do dia porque longe dos holofotes do “marketing” político. Agora o que anda para aí na boca do mundo é o tão famoso computador para crianças, Magalhães; a existência deste computador barato ou grátis, conforme o suporte económico da família da criança que a ele vai ter direito, é justificada pelo nosso PM como fazendo parte do apregoado “choque tecnológico” que teve início com acesso a computadores mais baratos por parte dos alunos do secundário e agora passa a ser mais abrangente servindo também alunos do primeiro ciclo. Para quando os computadores para os jardins-de-infância? Será legítimo perguntar, se não parecesse tão absurda tanto a pergunta como a resposta. Mas não esqueçamos que absurda também pode parecer a entrega de computadores a todos os alunos do ensino básico, pelo menos nos moldes em que se a quer implementar.
Que ganho efectivo têm os alunos em tão tenra idade ao adquirirem e poderem manusear um computador? Acesso e evolução mais rápida às chamadas novas tecnologias, sem dúvida, mas de que servirá isso se a maioria dos pais e professores são quase analfabetos no que diz respeito a estas máquinas? O computador pode ser usado como complemento na aprendizagem em tenra idade mas não se deve cair na ilusão de que vai solucionar os problemas mais prementes do ensino nos dias de hoje. E esses problemas passam por coisas tão fundamentais como programas de ensino tão voláteis como as ideais dos burocratas de passagem, ao longo dos anos, pelos vários Ministérios da Educação e que na sua maioria são pessoas, não digo que mal intencionadas, mas que há muito se encontram afastadas da realidade do ensino. Outros problemas há muito detectados são a indisciplina, a desmotivação (tanto do professor como do aluno), a intromissão pouco construtiva das associações de pais, a falta de uma linha condutora que percorra todos os níveis de ensino sem permitir uma descontinuidade na qualidade do mesmo, a ausência quase total de disciplinas de cariz profissional ou artístico, mais recentemente o laxismo na avaliação rigorosa dos alunos através de exames de conteúdo desajustado, o desaparecimento de disciplinas fundamentais tal como a Química do 12º Ano que ao deixar de ser obrigatória passou a ser preterida por outras mais fáceis e que dão melhor resultado, i.e., notas mais altas. Estes são alguns exemplos que infelizmente não surgem isolados, aparecendo muitas vezes acompanhados de outros que se propagam pelo tecido escolar e por associação a órgãos sociais vitais para a um funcionamento saudável da nossa sociedade civil.
A solução agora apresentada, uma criança = um Magalhães, não é uma equação tão simples como o PM nos quer fazer crer e este sinal de igualdade pode vir a revela-se como contendo ainda mais assimetrias do que aquelas que pretende resolver. Esta “igualdade” vai trazer mais dispersão nas aulas, potenciar a criação de um fosso tanto em casa como na escola, porque uma coisa é explicarem às criancinhas que 2 + 2 são quatro outra será explicar o uso correcto da Internet e controlá-lo de um modo eficiente, não se percebe esta urgência em criar indivíduos tecnologicamente evoluídos sem qualquer preocupação em corrigir outro tipo de analfabetismo que grassa na nossa sociedade e que todos sabemos não passa só por não se saber ler, e que toma forma, por exemplo, nas audiências assustadoras de telenovelas da TVI, nas plateias vazias dos teatros, nas listas de bestseller das livrarias, na propagação exponencial de centros comerciais ou no culto da personalidade exacerbado pelas revistas cor de rosa.
Smart it Up, please, antes que seja tarde demais!

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

The Mover

"Quem é o tecido adiposo da crítica literária? E por onde andará a musculatura? Os ossos já se sabe que se encontram espalhados pelos cemitérios de respeitáveis revistas e jornais. Claro que seria sempre redundante perguntar pelo ausente sistema nervoso central..."

Excerto de uma conversa ouvida algures numa rua de Lisboa.

À primeira pergunta apetece responder com o nome de um volumoso crítico da nossa praça mas como o Morrissey diria "some Girls are (& will always be!) bigger than others", e se ele o diz está tudo bem.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

A Torre de La Défense


Peça de teatro em dois actos sobre uma passagem de ano em Paris na qual se reúnem alguns elementos marginais da sociedade convencional, um travesti, um casal homossexual, uma senhora burguesa viciada em ácido e um árabe, isto na primeira parte da peça; na segunda parte estas personagens vão-se fazer acompanhar por um americano e um cadáver.
A peça foi escrita por Copi (1939-1987) um autor argentino que viveu e morreu em Paris, este dramaturgo era um criador plástico e isso reflecte-se na apresentação do espectáculo que, especialmente na segunda parte, toma a forma de uma instalação artística que tem como acompanhamento sonoro a leitura do texto por parte dos actores, os quais se encontram fisicamente presentes, mas imóveis, e deitados como cadáveres anunciados de uma morte que pode ser, ou não, real. Talvez por questões logísticas falta o único cadáver que realmente é anunciado na peça, o de uma bebé. A abordagem do texto é por isso “burguesa” não corre riscos e a leitura do texto, tal qual peça radiofónica, também perde por isso. Os actores fazem pouco esforço e não vão muito além daquilo que se espera de uma leitura de ensaio teatral apenas com pequenas nuances de inflexão de voz, pronúncias risíveis, pouco eficazes; como consequência o espectador, que já se encontra distraído pelo apelo dos objectos em cena, não consegue distinguir o que realmente é importante porque essa leitura e encenação em nada os auxilia a focar no, que poderá ser visto como, essencial. Isto acontece na segunda parte que se prolonga demasiado tempo nestas condições precárias para os espectadores e onde se corre o risco de os perder ou no final ou início desta leitura radiofónica da peça.
A primeira parte está mais bem conseguida em termos dramáticos, embora o texto também não seja apresentado de um modo convencional encontra-se mais trabalhado e bem assimilado pelos actores. Depois de Pedro Almodóvar não é fácil a um encenador encontrar uma perspectiva nova sobre este tipo de personagens e até o texto, que precede o trabalho deste realizador espanhol, corre o risco de parecer envelhecido precocemente quando visto por um espectador atento ao que o rodeia. Se no tempo de Copi colocar em cena este exótico conjunto de personagens em palco poderia ser visto como uma provocação, hoje em dia ao recriar este texto há que tentar ir um pouco mais além e dar uma nova dimensão a esse choque em potencial que ainda é, de certo modo, a força motriz desta estimulante peça de teatro. No entanto o trabalho final resulta rigoroso e dramaticamente correcto naquilo que é essencial mas falta-lhe um elemento de edginess que o catapultaria para uma visão mais distante da miopia burguesa que o texto pretende ajudar a sacudir da sociedade contemporânea.
Para ver na Culturgest até ao próximo dia 14.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Booker Prize or is it Another Cooked Prize?


Para os cépticos, e para os que ainda acreditam, podem começar a fazer-se as apostas sobre quem vai arrecadar o Booker Prize deste ano, a lista consulta-se aqui, mas fiquem desde já a saber que o Rushdie não está lá porque, segundo o Júri, não é suficientemente bom; quem diria que um dos maiores escritores da língua inglesa deixou de ser bom. Ou a fasquia se encontra muito elevada ou o número de cépticos vai aumentar.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

A Vice And Her Religious Vices

Nothing like a little bit of humour for the rentrée, a proof that Mrs Palin is really appalling. And it comes in two parts!



Part I



Part II

Oh it's 3 parts after all....




Part III ["A messenger from God" (her own words...)]

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Sneak A Peak

Isto é só para aguçar a vontade de ver a Ópera criada pelo grande Damon Albarn.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

A Hundred and One Ways of Getting Laid


A dialogue overheard at a sushi bar, the boy is portuguese the girl a foreigner:

Boy: Have you heard of a tv program called "Amesterdam nights"?

Girl: No.

Boy: It's a program about Amesterdam and all the crazy things that happen there, drugs and...you know..."funny" sex...

Girl: Have you been often to Amesterdam?

Boy: One.

Girl (Pinter's Pause)

Boy: But I didn't smoke a pot or anything...just bought a magic mushroom, you know?

Girl (Another Pinter's Pause)

Boy: I used it here in Lisbon, not there...and they have women on shops, have you heard?

Girl (another silence or just a nod?)

Boy (with a higher pinch of fascination): They are on windows shops looking great and if a client enters they close the curtain. They are busy.

Girl (How many silences can a man take?)

Boy: You know kids after school they all smoke pot, not on the streets because it's not legal. It's not legal but they tolerate it, it's like you can buy and sell it, it's legal..they have very liberal laws...

...

(The rest I lost it in space because, unfortunately, my sushi lunches are very short)

sábado, 2 de agosto de 2008

Never 2 Early


Nunca é cedo demais para anunciar a exposição que vai celebrar os 100 anos do nascimento do grande pintor inglês do séc. XX, Francis Bacon. A inauguração está prevista para o próximo dia 11 de Setembro extendendo-se até ao dia 4 de Janeiro de 2009, ano em que se celebra efectivamente o centenário. Tudo vai acontecer na Tate Britain, a exposição vai depois passar pelo Museu do Prado em Madrid e pelo Metropolitan de Nova York.
Há quem queira ver na obra deste pintor o horror do passado recente representado através de quadros muitas vezes grotescos e macabros, mas outros há que não podem deixar de pensar que já há muito ninguém pintava tão bem o futuro.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

to balter or not to balter


Alguns críticos em Portugal continuam reféns fáceis do seu provincianismo e é curioso constatar que a sua manipulação até é fácil bastando acenar-lhes com umas referências de alta cultura, um requiemzito de Mozart ou falar em Bach e quase imediatamente se deixam conquistar; se para além disso são abordados assuntos sensíveis como a condição da mulher e da descoberta de que afinal elas até são seres fantásticos (mais do que os homens...complexo de feminista requentada vivido por um jovem escritor com problemas capilares), se para além disso também se falar do Portugal profundo, de preferência sem nunca o ter vivido, à distância folclórica de um olhar paternalista, estamos sem dúvida perante uma “obra-prima” da ficção portuguesa contemporânea. Acrescentando a tudo isso uma suposta nova forma de escrever, sempre em minúsculas (ignorando e.e.cummings, escritor obviamente inexistente e talvez menor não por causa das minúsculas), mas ainda com pontos e vírgulas para que se atinja uma leitura “sem travões”, explicação e recado dado, pelo autor, aos leitores “preguiçosos” que devem insistir porque se o fizerem há-de valer a pena; afinal o paternalismo por vezes sai do livro para atingir na cara o leitor mais desprevenido, qual bofetada de luvas pretas, porque de brancas não pode com toda a certeza ser.
Para além das minúsculas, que já são imitação (mas em arte o que não o é?) temos uma prosa de retalhos que é uma espécie de imitação da imitação disfarçada de fraco exercício de estilo literário e que resulta em algo sem espinha dorsal, esconderijo fácil para a ausência de talento.
Estou a falar de um livro, o apocalipse dos trabalhadores, editado há pouco e cujo autor, advogado e mestre valter hugo mãe, faz capa do “Ípsilon” desta semana. A entrevista está à altura do objecto entrevistado e a crítica que se segue também, mas eu não consigo ficar indiferente a esta vassalagem perante o medíocre e da qual se vai alimentado o nosso mundo literário. A quasí é (foi?) sem dúvida uma editora de referência mas isso não faz dos seus editores bons escritores, e os escaparates das livrarias já se encontram feridos de morte com tanto lixo, por isso deixem lá esses livros nas gavetas porque hão-de ser mais úteis para alimentar e perpetuar muitas gerações de traças ou, para ser mais moderno, ficarem para ocupar alguns bites na memória esquecida dos computadores pessoais.
De qualquer modo a ocupar este espaço, herdeiro de Saramago, já temos o José Luís Peixoto, Senhor (maiúscula bem merecida) de uma escrita muito superior porque lhe nasce das entranhas e que nunca precisou de justificar a sua existência através do recurso a artifícios literários e intelectuais de fraca inspiração.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

The Flood


As exposições universais ou internacionais são um conceito datado porque os princípios fundamentais que lhes deram origem encontram-se desactualizados ou esquecidos. Já não servem para apresentar os últimos engenhos tecnológicos que nos permitiriam perspectivar o futuro, a arte em todos os seus aspectos encontra-se também ausente, agora reduzida a uns espectáculos de rua que se repetem ciclicamente tanto no recinto como nas várias exposições as quais se têm vindo a associar a conceitos generalistas que servem de inspiração a alguns pavilhões mas que na sua maioria são ignorados por grande parte dos participantes, ou pior ainda, são usados de um modo preguiçoso e sem imaginação por pelos mesmos.
Nos últimos anos visitei três exposições universais e se a primeira terá sido uma novidade, as outras duas foram uma desilusão na ordem temporal em que as vivi. Isto porque não me foi permitido vislumbrar qualquer evolução, apenas uma repetição pouco estimulante entre as várias feiras de onde sobressai quase sempre, de um modo positivo, a organização do espaço em termos arquitectónicos, tudo o resto fica muito aquém daquilo que seria expectável depois de tantos anos de experiência na organização deste tipo de eventos. O erro mais grave, e que persiste, é o modo como os pavilhões são pensados; são quase sempre estruturas fechadas em termos arquitectónicos, à porta dos quais se vão formando eternas filas de pessoas ansiosas por os visitar, e isto é sem dúvida uma situação passível de se resolver mas que se tem vindo a repetir desde sempre fazendo com que o objectivo principal da feira seja descurado, isto é, o de permitir uma circulação das pessoas sem que estas de sintam pressionadas a ir a correr para as filas, algumas das quais com tempos de espera muito longos e onde como é evidente se perdem horas preciosas que poderiam ser usadas para usufruir do espaço de um modo mais livre e sem quaisquer tipo de pressões. Não percebo porque é que os organizadores destes eventos sabendo, à priori, que há um número de pessoas a partir do qual não é possível conceber, de um modo realista, que todos tenham acesso a visitar os pavilhões que desejam, permitam que se entupa o recinto com visitantes que, não sua maioria, não vão poder fazer grande parte de tudo o que a feira poderá ter para dar; é uma atitude desonesta e parece que por detrás disto tudo só se encontram razões economicistas que desvirtuam os títulos sempre tão “politicamente correctos” deste tipo de feiras. Neste caso a tentativa de resolução deste problema passou pela emissão de Passes Rápidos que funcionavam só para alguns pavilhões e que no caso do Aquarium já estavam esgotados por volta das 16h00.
Um pavilhão houve que na minha opinião poderá conter em si o futuro daquilo que será idealmente o que se deseja de uma estrutura pensada para um espaço destes, no caso da Expo Saragoça 2008, é o pavilhão temático designado por Água Partilhada onde desde a estrutura arquitectónica à materialização da ideia que lhe está subjacente passando pelo diálogo que permite ter com os visitantes, é sem dúvida um exemplo inspirado e brilhante de como deverão ser os pavilhões das feiras por vir, se a ideia entretanto não se esgotar.
Uma nota positiva também para o pavilhão português que está muito bem conseguido e que se integra perfeitamente na ideia fundamental da Exposição enunciada como “Água e o desenvolvimento sustentável” prestando homenagem ao país anfitrião e aos três grandes rios partilhados pelos povos ibéricos, a saber o Douro, o Guadiana e o Tejo. No dia em que visitei a exposição não estava a ser dos pavilhões mais requisitados mas essa injustiça é amplamente compensada pelo facto de que os poucos que o faziam não se sentirem defraudados.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

em-mim


Há quem se orgulhe de ir a mega concertos rock, quem se orgulhe de ir ver um derby, quem se orgulhe dos seus filhos, de ganhar rios de dinheiro, de ser famoso, eu orgulho-me de coisas simples como por exemplo do facto de já ter bilhetes para ir ver a Juliette Binoche e o Akram Khan no National Theatre em Londres. Para mais informações clicar aqui. Ah e para aqueles que julgam que a cultura tem que ser cara fiquem a saber que há bilhetes na segunda fila a £ 10 (sim cerca de € 13) valor muito abaixo daquele que é pedido por uma entrada num mega concerto ou derby de futebol. A civilização não se mede só em estatísticas "trabalhadas" sobre o sucesso escolar ou escolaridade obrigatória, também passa por criar condições para que espectáculos destes cheguem a Portugal e já agora a preços justos e acessíveis.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Lost in Translation



Getting the tube in Portugal can be an enlightening experience especially if you pay special attention to the wise words, coming out of the speakers, trying to warn tourists against pickpockets: "pay special attention in entering and exit the train". That's what you get when you translate a phrase using the, all knowing, Internet without human help. It's embarassing for some but it can be loads of fun for an illuminated few.
I would suggest "Mind the Wallet" a phrase with less grammar but more straight to the point.

terça-feira, 22 de julho de 2008

I Can't Believe That You Would Fall For All The Crap In This Song


Os Sparks fazem justiça ao seu nome e cada canção que compõem são pequenas centelhas de imaginação, ironia, encontram-se contaminadas por uma alegria triste, uma inteligência brilhante e espirituosa, algumas são quase operáticas, outras mais próximas de um musical kitsh de profundidade assustadora. O seu último álbum “Exotic Creatures of the Deep” é disso o mais perfeito exemplo. Aconselhável para quem não tenha medo das alturas ou de rastejar pelo mais negro poço da alma, que neste caso pode até estar decorado de um modo muito barroco e colorido; mas não se deixem enganar porque por detrás dessa superfície está logo aquilo que alguns de nós mais podem temer: a capacidade de nos rirmos de nós próprios sem nos reconhecermos.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Difficult Choices For A Father


Idomeneo, o rei que regressa da Guerra de Tróia onde lutou ao lado dos gregos, é confrontado com uma terrível tempestade mesmo quando está a chegar à costa do seu reino de Creta. No desespero da sobrevivência, dele e dos seus homens, faz uma promessa ao deus Neptuno, sacrificar o primeiro humano com quem se cruzar depois de chegar a porto seguro. A moral desta promessa vem assombrá-lo quando essa pessoa que o deus exige como sacrifício é o filho do Rei, Idamante, que passeia pela costa da ilha não sabendo que desse modo se estava a condenar à morte, em nome do pai e dos seus soldados.
Neptuno é muito rigoroso na aplicação da lei divina e enquanto o sacrifício não é cumprido decide fustigar o povo de Creta com uma tormenta e fazer surgir das águas um monstro marinho que aterroriza todos os habitantes da ilha.
Este tipo de dilema é o ideal para aquilo que se convencionou designar, no séc. XVIII, como Opera seria (segundo John Eliot Gardiner é um termo mal aplicado neste caso, talvez porque Mozart sempre se referiu a esta composição como grosse Oper) e Mozart não hesitou em musicá-lo com grande sucesso na altura da sua estreia em 1781. Agora vou revê-lo no Teatro Real de Madrid já na próxima sexta-feira e para além da música magnífica que já conheço, na versão dirigida pelo John Eliot Gardiner, e do elenco estrelar que vai estar presente em palco a minha curiosidade maior vai para a encenação, que alguns dizem sombria, do encenador suíço Luc Bondy. Não será de fácil digestão para a maioria dos habituais espectadores de Ópera (afirmação polémica, eu sei) que talvez não estejam à espera de uma leitura, com toda a certeza, moderna de uma história que se pode provar tão universal como a música que a sustenta. Mas quer se goste ou não temos sempre a garantia de que com uma encenação de Bondy não se vai sair da sala de espectáculo de um modo indiferente e que por incrível que pareça vamos com toda a certeza ver os cantores a representarem, sem tiques nem trejeitos, numa linguagem mais próxima da do teatro puro. Pelo menos foi isso que me foi dado ver em Aix-en-Provence quando, em 2003, ele por lá encenou o Hércules do Handel.
Há quem queira ainda ler neste drama o reflexo de outro menos mitológico, a difícil relação entre Mozart e o seu pai, o que não deixará de fazer sentido porque por muito genial que se seja não se pode estar imune à complexidade que tece a relação entre um pai e o seu filho. A literatura, a religião e a realidade estão cheias de exemplos desses, dos bons e dos maus.

sábado, 19 de julho de 2008

The Library As A Soul's Hospital



A modernidade pode pertencer ao passado e servir de exemplo para o presente. A vida e obra do Imperador Adriano serve como demonstração da verdade dessa afirmação numa exposição no British Museum para acompanhar com a leitura das suas memórias imaginadas por Marguerite Yourcenar. Como complemento também se pode ler o artigo aqui publicado.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Opposite Ways May Lead To The Same Path



What's the connection between Vampire Weekend and Peaches? It's obviously the F word, a word that unites the world. That's why they are sharing the same tent at Optimus Alive 08.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Le Cirque Invisible


Da simplicidade e rigor nascem por vezes imperfeitas obras de arte que possuem a capacidade de nos deslumbrar e modificar a nossa visão do mundo, e mesmo que não a mudem permitem-nos despertar um novo modo de olhar esse mesmo mundo. É o caso deste circo invisível, por onde passam todos os elementos tradicionais do circo mas onde se retém apenas o essencial o qual associamos à sua magia primordial e que respira do deslumbramento que só a infância nos permite viver.
Este é um espectáculo que vem de outro tempo, e se esse tempo é o passado das tendas de freakshows, de exercícios de equilíbrio arriscados, de truques de magia, de animais domesticados e de um cómico muito colado à Comedia Dell’arte, é também um espectáculo do futuro que podemos ver imitado e, por vezes exageradamente ampliado, no chamado novo circo. O tempo neste circo é muito mais do que as três dimensões às quais nos habituámos a associar a sua passagem, e por isso não pode perecer e é-lhe permitido repetir-se sempre sem que haja o risco de nos cansar ou de se esgotar. As ideias que o atravessam são encarnadas na perfeição pelos artistas em palco, Victoria Chaplin e Jean-Baptiste Thierrée, e eu não pude deixar de pensar que no caso da primeira está a ser prestada a homenagem ideal ao seu pai, o génio do cinema mudo Charlie Chaplin, não por imitação mas por continuidade, porque neste espectáculo também se pressente a presença desse genial criador e esse pressentimento encontra-se muito para além do código genético da sua filha que se encontra em palco. E eu vi por lá os filmes de Jacques Tati, a poesia surrealista do século passado, “La Belle e La Bête” de Jean Cocteau, todos os saltimbancos desaparecidos e os que ainda por aí andam, “Giulietta degli spiriti” de Fellini, os Monty Python, o barroco operático e caricatural, e claro os cartoons satíricos que habitavam os pasquins de outros tempos. Só vi estas coisas porque nem todos nascemos com a capacidade de ver tudo, e estamos limitados pelas nossas referências, mas posso garantir-vos que por lá se pode encontrar muito mais. O desafio fica aqui para que também se deslumbrem nestes dois últimos dias que faltam.

sábado, 28 de junho de 2008

Uli You Naughty Girl, Unlike Beyoncé



Yes the summer has arrived so I feel more lightheaded but still heavy with thoughts.

Riddle



Teve 130 amantes, número mais reduzido que o mítico Don Juan que foi até às 1003. Diz-se que trabalhou na revisão do libreto que Lorenzo da Ponte escreveu para a obra musicada por Mozart e na qual se retrata a vida do já citado libertino, Don Giovanni. Mas ao contrário dessa figura ficcionada teve alguns casos com homens e para o fim da vida adquiriu um gosto pouco aconselhável por rapariguinhas demasiado novas.

Mas quem diria que ele teve ainda tempo para escrever um total de 42 obras literárias onde, para além das famosas memórias, se incluem peças de teatro, libretos, um romance de ficção científica em quatro volumes e tratados sobre matemática, chegando mesmo a traduzir a Ilíada.

Numa biografia agora editada pela Hodder & Stoughton e escrita por Ian Kelly a dimensão do libertino é suplantada pela do intelectual que se assume como um dos faróis do espírito Iluminista. Percursor da teoria da sexualidade de Freud e defensor acérrimo de métodos contraceptivos, quem diria que se está a falar de Casanova?

Quem quiser pode ler um excerto do livro aqui.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

The City Of Lights is Burning


Os Polyphonic Spree deram-nos exóticas canções em coro e também St. Vincent, esta menina de voz doce e hipnótica que eu deixo aqui a cantar "Paris is Burning".

quarta-feira, 25 de junho de 2008

The House Of Yesterday's Tomorrow


Sobre paixões antigas não é fácil falar porque parece que já foi tudo dito e que no entanto ficou ainda tanto por dizer. Claro que se nos referimos a uma pessoa pode ser complicado rever o passado sem que haja o risco de mal entendidos mas tratando-se de um grupo musical esse risco é diminuto porque nos fixamos em algo que é imutável, que fica sob a forma de disco na nossa prateleira e ao qual regressamos quando nos apetece. E regressar aos Magnetic Fields é sempre bom, embora depois do "69 Love Songs" todos os outros álbuns que se seguiram pareçam um pouco frustrantes, se bem que nunca uma desilusão. O mestre, Stephin Merritt, tem o condão de se revelar sob outros disfarces e podemos sempre revê-lo nos projectos The 6th's, Future Bible Heroes ou Gothic Archies. Os dois primeiros eu já tive a sorte de ver e ouvir ao vivo; um no Shepard's Bush Empire há 8 anos atrás numa noite de Inverno em Londres e os segundos também em Londres, desta vez mais para o Norte num local cujo o nome me escapa agora (tenho que perguntar à Uli ou Tobi, eles devem-se lembrar). Claro também ficaram na minha memória os dois dias de "69 Love Songs" nos quais os Magnetic Fields tocaram essas mesmas 69 canções repartidas por dois dias, tocadas na mesma ordem que aparecem no triplo álbum, desta vez no espaço mais formal do Lyric Theatre Hammersmith (2001). Amanhã vamos tê-los novamente pela Aula Magna e vai ser muito bom reencontrar velhos amigos, talvez agora menos rezingões, ou talvez igualmente rezingões, porque isto do tempo não serve para curar maus feitios.

domingo, 22 de junho de 2008

Natural History


Já lá vão 150 anos e nunca é demais recordar esta história até porque alguns querem fazer esquecê-la. A origem das ideias de Darwin e de como o mundo nunca mais foi o mesmo. Para ler aqui. O pensamento livre sem limites, sempre.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

The Weight of Having the World


O poeta Fernando António nasceu há 120 anos na cidade de Lisboa e com ele nasceram muitos outros; na casa dos espelhos que foi a sua alma todas essas miragens permanecem intactas. Pseudonomes de vidas inventadas onde se encontram todos os poemas do universo re-interpretados por um escritor maior que veio ao mundo disfarçado de palavras cujo peso é a medida certa da nossa Modernidade.

"Lembro-me ou não? Ou sonhei?
Flui como um rio o que sinto.
Sou já quem nunca serei
Na certeza em que me minto.

O tédio de horas incertas
Pesa no meu coração,
Paro ante as portas abertas
Sem escolha nem decisão"

In Poesias Inéditas
Fernando Pessoa

terça-feira, 3 de junho de 2008

Who Gives a Fuck



Para ver e ouvir ao vivo no próximo dia 10 de Julho e que bem acompanhados eles vão estar no passeio marítimo de Algés.

Rayuela


Epifanias literárias afinal são tão raras como eram antigamente, ainda me lembro da primeira vez que li Pessoa, Shakespeare, Yourcenar, Borges, Saramago (Vintage ou pré-Nobel), Proust, Dostoiévski e talvez mais uma dezena de autores ou livros que seriam os da minha vida, se a vida também puder ser definida desse modo. Claro que se pensarmos no tempo que passou entretanto podemos chegar à conclusão que afinal não são assim tantos os momentos e autores que nos deixam marca geralmente revelada na impaciência associada à leitura de outros escritores que, comparativamente, são menores; no entanto a intolerância para com estes últimos vai-se esbatendo até ao encontro com outro autor absolutamente genial. Gosto de ser surpreendido desse modo e como a leitura desses sublimes, ou subliminares, autores aguça o que há de mais exigente no meu gosto literário, a surpresa parece que é sempre maior e o contraste mais perfeito. Está a acontecer-me isso com a leitura de “O Jogo Do Mundo” do autor argentino Júlio Cortázar, há muito que não lia um livro que me deixasse tão entusiasmado e que está a contribuir para me ajustar o sentido crítico elevando-o mais uma vez para uma fasquia que só alguns conseguem ultrapassar. Curioso também é reparar, mais uma vez, que a literatura é sempre imitação e que a melhor é aquela que resulta do trabalho do inconsciente, e que os grandes autores são aqueles que vemos espalhados pelos outros e lembro-me de ter lido, antes deste livro, o último de Dan Rhodes “Gold” e de ter pensado que seria uma espécie de imitação barata de um qualquer livro do Murakami e infelizmente sem o apurado sentido de humor de “Anthropology”, o seu primeiro livro de micro-contos, ou mesmo do surpreendente “Timoleon Vieta Come Home”. Agora ao ler Cortázar não consigo deixar de pensar que era isto que Murakami gostaria de fazer com o Jazz que nos seus livros fica suspenso de uma sugestão mas que nunca toma a sua verdadeira substância como n’ O Jogo do Mundo. O livro deste autor sul americano soa como uma belíssima peça musical, que ora parece improvisação, ora o mais rigoroso exercício criativo, é como se estivesse a ouvir os sons primordiais do Jazz que nasceu em New Orleans, que renasceu doutro modo em Chicago, mas com a vantagem de o ver projectado também no futuro; mas isso é só a banda sonora que acompanha a leitura deste magnífico livro porque depois é-nos dado ver retratado também o restante universo artístico do século XX, desde a pintura, passando pela literatura e outras áreas da criação humana. É uma enciclopédia como as enciclopédias deviam ser escritas sem entradas ou definições mas com a informação necessária para a leitura subjectiva do mundo “in” finito da criação humana, isto tudo acompanhado de uma profundidade psicológica das personagens que só é possível quando se recorre a essas mesmas criações e as tentamos definir através do comportamento de quem as vive e também de quem falha a sua percepção.

Velocifero




Ghosts By Ladytron

There’s a ghost in me
Who wants to say I’m sorry
Doesn’t mean I’m sorry

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Rotten Oranges


A política é um fenómeno curioso, repleto de acontecimentos que se na maioria das vezes não são garantia de convergirem no sentido de servir melhor o cidadão comum, têm pelo menos a vantagem de poder entreter esse mesmo cidadão, quando ele opta por sorrir em vez de se deixar exasperar. A exasperação pode ser lida nas crónicas de Vasco Pulido Valente, mas na nossa capacidade de sorrir dependemos quase e sempre só de nós. A corrida à presidência de um importante partido nacional tem-se revelado como um maná de situações caricatas a começar pela figura do ex-presidente, passando pelos candidatos que avançaram e acabando no futuro pouco risonho mas pleno de sorrisos, muitos amarelos, que o final desta estória vai permitir. Temos então na corrida uma múmia, um lázaro e um político de carreira todos a competirem pelo mesmo lugar (os outros nem contam, por muito que o quisessem); paralelamente tínhamos uma criatura boçal, que foge a qualquer espécie de classificação, mas que nunca chegou a ser validada porque só ameaçou dizendo que ia concorrer para logo depois se arrepender dizendo que não sabia se iria e na realidade nunca foi.
A múmia possui um ar de austeridade bacoca que corre o risco muito téneu de ser confundida pela verdadeira austeridade, e para alguns autoridade, porque é sabido que as múmias já não são capazes de mudar de expressão facial, isto pelo facto inerente à mumificação, que no presente caso vai para além daquilo que se aprendeu com a civilização egípcia, e pode-se mesmo falar numa mumificação da alma e das ideias. Ainda ninguém se lembrou de uma palavra de ordem eficaz do tipo “Múmia ao poder” mas todos desconfiam que o poder das múmias está um bocado condicionado, claro que se corre sempre o risco da maldição da múmia no entanto esse tipo de maldições só tem efeito se a múmia ficou muito tempo encerrada no sarcófago o que não é o caso desta que tem andado por aí à solta a perder pedaços de gaze como quem não quer a coisa.
O Lázaro é reconhecido pela sua capacidade de ressurreição, induzida ou não, mas infelizmente tem um prazo de validade curto, isto é limitado a uma ressurreição por vida, mais do que uma torna-se arriscado e geralmente tem como resultado a perda de órgãos vitais quando da segunda ou terceira ressurreição; neste caso percebe-se logo à primeira observação qual foi o órgão vital que ficou por reanimar e só mesmo quem já não o possua poderá falhar esse reconhecimento. “Lázaro ao poder” mas com que órgãos vitais? Essa questão iria assombrar os potenciais eleitores que geralmente só acreditam num milagre à primeira.
O carreirista político é aquele que pode dar mais frutos mas a nós, comuns mortais, de pouco nos servirá porque está à vista de todos o que é um político de carreira, temos um primeiro-ministro com essas características, e o resultado é óbvio, uma política míope, que anda a reboque das notícias que abrem os jornais, televisivos e outros, e que não possuí qualquer profundidade ou visão. Uma mais valia deste carreirista de fundo é ter uma voz bem colocada, sempre resulta melhor no telejornal e pode servir para embalar o povo, nunca pelo conteúdo mas talvez pelo tom, assim de mansinho como se querem as coisas neste país.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Beggining to End


No início desta peça, de Samuel Beckett, é-nos apresentada a imagem do palhaço pobre que poderíamos ver num qualquer circo de província com o cabelo penteado em triângulo, feições marcadas por esgares cómicos que se tornam soturnos, sapatos demasiado grandes e uma roupa velha, gasta e cheia de pó. Este palhaço é um pouco mais triste do que os outros, e essa tristeza é mais humana e quando nos faz rir deixa-nos sempre um sentimento de culpa, porque nos faz rir da tragédia do que se vislumbra ser, ou ter sido, a sua vida. Este é um palhaço que não teria lugar nem nos circos tradicionais nem naqueles mais modernos cheios de espectaculares acrobacias. É um palhaço estranho que só está bem na realidade, embora quase tudo nele pareça irreal e derivado de um pesadelo com o qual se conformou e que ele está decidido a viver até ao fim; um fim que ele escolhe, ou julga escolher.
Um palhaço que anuncia a sua morte no início do espectáculo, e que no nosso esforço de catalogar poderíamos pensar ser um mendigo meio louco daqueles com os quais imaginamos podermo-nos cruzar numa grande metrópole. Mas à semelhança do que aconteceria se com eles decidíssemos conversar, vamo-nos apercebendo que sim, ele é um mendigo, sim ele até pode ser semi-louco mas a sua lucidez por vezes deixa-nos encadeados porque de entre um discurso que parece fragmentado e pouco lógico, vão surgindo ideias que nos assombram e sobre as quais sabemos que nunca havemos de ter uma resposta. Neste caso a ideia do fim, mais precisamente da morte e Beckett até fala através da personagem da possibilidade de algo para além desse fim mas é uma visão onde só existe a perspectiva da continuação dos mesmos rituais, onde se vão perpetuar as mesmas discussões familiares, alimentar as mesmas agruras, mas desta vez gritadas do Inferno para o Céu, este último um local de onde a personagem sabe que foi erradicada.
Outro tipo de morte anunciada no texto tem a ver o com a possibilidade de os deuses nos brindarem com múltiplas vidas e de nós cometermos sempre os mesmos erros, vivermos sempre do mesmo modo, com pequenas variações, que em nada contribuiriam para alterar o resultado final. Razões suficientes para que este palhaço Beckettiano e niilista anuncie que teria preferido ficar toda a sua vida numa sala tendo apenas por companhia um relógio para marcar o tempo, sendo esse mesmo tempo preenchido a dormitar, recostado num sofá, à espera da altura certa para fazer subir os pesos que permitiriam ao relógio continuar a sua corrida na direcção do infinito.
O actor, João Lagarto, sozinho em cena cumpre muito bem a leitura do texto que também traduziu e encenou. Por vezes existe uma intromissão do actor que pode resultar como sendo destrutiva da concentração do espectador, mas até isso é muito bem disfarçado pois a fragmentação do texto permite-o e presta-se a algum improviso; no entanto na minha leitura, e por isso mesmo, o texto deveria ser trabalhado de um modo mais ortodoxo. Este facto não desvirtua em nada o trabalho do actor e até serve para ligar de um modo mais profundo a personagem do palhaço à do ofício de actor, acrescentado desse modo uma auto-ironia que se associa muito bem com as palavras inventadas pelo dramaturgo irlandês.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Lucky Poppy


Um filme de Mike Leigh vive e respira dos actores e por isso nunca pode deixar de ser uma experiência única porque os protagonistas são sempre excepcionais e mesmo que não o fossem desconfiamos que passariam a ser. Com Happy-Go-Lucky somos mais uma vez surpreendidos por aquele que é um dos maiores cineastas-dramaturgos do cinema inglês contemporâneo. Este filme pode parecer, aos mais incautos, uma homenagem velada ao cinema de Almodovar, pelo uso das cores, não tanto pelos contrastes mas mais pelos brilhos e vivacidade associados à indumentária e espírito da personagem principal, nesse aspecto também faz lembrar alguns momentos fixados pelo fotógrafo inglês Martin Parr. Para além disso pode ser visto por alguns como uma demonstração de mestre, dada a realizadores como Woddy Allen, sobre o que é fazer um filme que faça verdadeira justiça à cidade de Londres. Claro que Mike Leigh não é do tipo de dar lições a ninguém nem de fazer homenagens veladas, até porque isso se torna irrelevante uma vez que a verdadeira homenagem é prestada aos londrinos e à sua cidade.
O filme permite-nos um olhar sobre a vida de uma professora primária, Poppy (encarnada pela magnífica Sally Hawkins), que vive e trabalha na cidade da capital inglesa e que olha sempre para a vida através do ângulo mais positivo; esse gesto que a princípio pode ser confundido com pura ingenuidade ou ausência de apuradas faculdades mentais, vai-nos sendo revelado como sendo resultante de algo mais profundo e percebemos que esse comportamento tão exótico, num mundo cada vez mais violento e virado para o seu umbigo, resulta não de qualquer simplicidade mental mas sim de um esforço que só alguém muito original e único seria capaz de congregar. Por de entre os sorrisos que marcam presença constante no rosto de Poppy por vezes é-nos dado observar algumas sombras que se avizinham, mas essas sombras não se fixam durante muito tempo e são logo afastadas por uma boa disposição que se encontra no limiar do suportável quase a atingir o risível, e que só não o é, porque intuímos sobre a sua genuína origem. Este facto é ilustrado quando, numa das cenas, a personagem olha pela janela dizendo que está um belo dia, e quando nos é dado ver a imagem dessa beleza, constatamos que é um céu perfeitamente normal pontuado por algumas nuvens. Paradigma dessa personagem que é capaz de ver para além da normalidade, revestindo essas visões de um arco-íris que poderá enjoar os mais desprevenidos mas que nada mais é que um antídoto para as agruras da vida, e que faz contraste com aqueles que se encontram no espectro oposto e que resmungam por tudo e por nada. Versão moderna de um Cândido sem a ironia da pena de Voltaire mas com a consciência pesada do homem moderno.

domingo, 6 de abril de 2008

Somewhere Over The Rainbow

Join With Us é o novo album dos The Feeling mas eu não consegui resistir a ilustrar esse acontecimento com uma canção do primeiro álbum, Twelve Stops and Home, e aqui está o vídeo:





The Feeling is feel good music, sem complexos, sem corantes e sem conservantes.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Indie Umberella

Eu sei o vídeo é muito mau, há quem julgue que a música também mas eu discordo totalmente e aqui fica a prova de que talvez, eu, tenha razão. É uma excelente cover pelos Manic Street Preachers.
Aos regulares deste blog peço desculpa pela ausência, mas ficam desde já a saber que não é forçada e que ao menos de vez em quando dou-vos música.

sábado, 15 de março de 2008

Not A Grey Way Of Thinking

Depois de um livro fundamental Straw Dogs- Thoughts on humans and other animals, que agitou águas quando da sua publicação e cuja tradução ainda não se pode encontrar em português, John Gray decidiu dissertar sobre um tema igualmente pertinente no livro Black Mass: Apocalyptic Religion and the Death of Utopia . Entretanto publica um artigo no Guardian que vale a pena ler e no qual fala sobre os perigos do fundamentalismo secular.

terça-feira, 11 de março de 2008

More Deadly Sins


Depois dos 7 (Orgulho, Inveja, Luxúria, Ira, Avareza, Gula e a Soberba) já por todos conhecidos, e por alguns vividos, pecados mortais aqui vão os outros anunciados esta semana pela Sua (Dele) Santidade o (ou será O?) Papa:

· Poluição do meio ambiente;
· Manipulação genética
· Acumulação excessiva de riqueza;
· Indução da pobreza;
· Tráfico e consumo de droga
· Experiências científicas moralmente dúbias
· Violação dos direitos fundamentais da natureza humana.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Laurence Olivier Awards 2008


Foram atribuídos os "Óscares" do teatro inglês, para quem quiser saber quem foram os vencedores desta edição é só consultar aqui.

Claro que este anúncio vai brilhar durante pouco tempo porque não tarda muito temos aí os Globos de Ouro da SIC.
Eu ainda gostava de saber quem, num mundo cada vez mais anglófilo, foi escolher um nome destes para uma estação de televisão. E já agora porque não SIC Awards, os prémios estariam muito mais próximos da realidade que os viu e faz nascer.

sábado, 8 de março de 2008

Math After The Oscar’s

Três filmes a três tempos, na marcação do meu tempo o primeiro foi o There Will Be Blood que se sustem na magnífica interpretação de Daniel Day Lewis e que por isso é quase exibicionismo puro.
O segundo filme foi No Country For Old Men o oscarizado filme dos irmãos Cohen muito fiel à atmosfera do livro mas, na minha opinião, padece de dois erros graves. Um prende-se o facto do livro não se adaptar muito bem ao humor dos Cohen, com o elemento agravante de o humor destes destruir o terror, em ruído de fundo, sempre presente no livro; mesmo nos momentos que poderiam ser cómicos o livro nunca nos deixa sequer esboçar o esgar de um sorriso. O outro erro grave tem origem neste primeiro ponto e para alimentá-lo os irmãos Cohen recorreram ao transvestismo da personagem mais perturbante do livro, Anton Chigurh, através de um penteado que não acrescenta nada à personagem a não ser um elemento ridículo destrutivo. No livro Chigurh não passa de uma sombra, com peso de chumbo é certo, e para fazer justiça a essa sensação talvez ele não devesse ter sido no filme mais do isso mesmo, uma sombra da qual quando muito se poderiam ver as mãos. Agora um à parte, na sessão em que estive presente foi-me dado assistir a um fenômeno que só pode ter paralelo nas tosses que se ouvem nos concertos da Gulbenkian. O visionamento do filme foi quase todo pontuado por gargalhadas despropositadas, que vinham sempre a despropósito de nada, mas que todos nós desconfiamos servirem para demonstrar que os seus emissores eram muito “cool” e que estavam ali porque são, com toda a certeza, seres inteligentemente superiores. Se eles ao menos pudessem ouvir o eco dessas gargalhadas talvez lhes fosse dado a perceber que de “cool” só devem ter mesmo as pontas dos dedos e o cérebro, mas concerteza por falta de circulação sanguínea.
O terceiro filme foi o In The Valley of Elah que seria um bom filme se tentasse ser um pouco mais claro na mensagem que quer fazer passar e que se prende com o possível murro no estômago da América conservadora, através do uso de uma Metáfora que nunca é justificada de um modo claro e que no entanto deve ser a espinha dorsal do filme, porque é a que dá origem ao seu titulo. A Metáfora, bíblica, é a da batalha de David contra Golias no Vale do Elah, mas eu devo confessar que nunca chego a perceber quem é quem na versão moderna dessa história e já fiz todas a conjugações possíveis. Uma amiga sugeriu-me que “Golias é a guerra. David é o soldado americano, e que só consegue ir para ele (a guerra) (e portanto vencer Golias) qdo acredita que vai conseguir ganhar”. mas eu não me consigo convencer disso porque na história bíblica David mata o Golias, saindo vitorioso, e nesta batalha iniciada por G. W. Bush não deve ter ainda havido soldado que saísse vencedor, aliás como é demonstrado pelo filme, por muito convencido que fosse de que iria ganhar.

A Spoon Full Of Talent

Os Spoon estiveram por cá, fazendo uma segunda visita ao nosso País, e embora a Aula Magna não tivesse esgotado para os receber eles não quiseram deixar de ser generosos para com os que lá foram e fizeram soar as suas excelentes musicas de tal modo que não ficou uma única cadeira vazia naquele auditório. Aliás Lisboa deve ter ficado bem preenchida durante aquela noite porque o concerto foi tão electrizante que terá sido impossível a cada um dos indivíduos, que lá estiveram, não levarem consigo a emoção e intensidade do momento espalhando-as pelos quatro cantos desta cidade. Que concerto magnífico, só lamento uma coisa, aqueles que não puderam lá estar.

The Heart Is A Dark Hunter

"Vain, querulous and a genius" quem diria que estamos a falar da escritora norte-americana Carson McCullers mas é assim que ela é introduzida por Ali Smith. Para ler aqui.

sexta-feira, 7 de março de 2008

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Quoting Myself

Some people say that our country is the face of Europe, regarding our geographic position, but I think they're mistaking it for the rear end.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Pink Lady in the Blue


Da luta contra o preconceito pode surgir por vezes uma agradável surpresa, não há garantia de isso acontecer sempre mas no caso desta peça tenho que admitir que o medo inicial era sem fundamento, pelo menos em relação a alguns elementos que foram responsáveis pelo surgimento da mesma. Eu não acreditava que a peça valesse a pena, a começar pela dificuldade do tema abordado, doença terminal de uma criança, Óscar, e a consequente tentação de se resvalar para a lágrima fácil. Felizmente a peça não explora esse filão, pelo menos de um modo óbvio, mas cai noutro tipo de erro, nomeadamente a facilidade com que resolve o problema da morte através do uso comum de deus e do consolo da sua presença. Não é que esse consolo não seja legítimo, mas é redutor e deixa de fora muitos espectadores, que não podendo recorrer a esse consolo, ficam sem alternativas para o mistério da morte. A dor no ser humano quase nunca é uma reprodução das provações de Cristo na cruz (ou fora dela), e não o será nunca quando estamos a falar de uma criança que apesar de muito doente ainda possui o conforto, possível, do humano e da medicina. A peça é construída a partir de uma série de cartas escritas pelo menino e dirigidas a deus. O tom oscila entre o infantil e o patético e, mesmo salvaguardando que o infantil até pode ser patético, neste caso as cartas parecem ter sido escritas por um adulto com problemas cognitivos e não por uma criança. Essa subtil diferença fere a peça de morte e deixa-nos a olhar para o vazio, que até podia ser a ausência de deus perante o sofrimento humano, mas que não passa do vazio de ideias do autor, Eric-Emmanuel Schmitt.
No entanto há que ser justo e realçar a honestidade com que a actriz, Lídia Franco, trabalha o texto fazendo um trabalho exemplar, isto com o auxílio precioso da encenadora, a americana Marcia Haufrecht. Para além das falhas inerentes ao texto o espectáculo é uma agradável surpresa por isso mesmo, porque estamos perante uma honesta peça de teatro e se o texto é medíocre a culpa não pode ser imputada à actriz, mesmo que ela o tenha co-traduzido e escolhido.


Óscar e a senhora cor-de-rosa de Eric-Emmanuel Schmitt encontra-se em cena no Teatro Nacional Dona Maria II até ao dia 30 de Março de 2008.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Measuring Words

"Quero aqui declarar que nunca comi uma francesinha como nunca comi túbaros"

Alexandra Lucas Coelho

In Público

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Turismo Infinito


Viajar no universo Pessoano não exige vistos, carimbos de fronteira ou vacinação prévia contra doenças exóticas e também não é necessário qualquer mapa, ou para sermos mais modernos um GPS, até porque a geografia interior deste poeta é mesmo infinita e o mais certo seria perdermo-nos durante essa viagem. A entrada nesse peculiar mundo literário pode ser involuntária mas nunca é feita sem a companhia, múltipla, dos heterónimos e homónimo do maior poeta europeu do século XX. Esta adaptação teatral dos textos de Pessoa poderia cair na tentação de se deixar confundir com um recital de poesia, mas tal nunca acontece porque para além da poesia os actores, que encarnam as múltiplas facetas do poeta, conseguem criar de um modo eficiente a ilusão da tridimensionalidade dos heterónimos e do próprio Pessoa. Num cenário minimalista, negro e inócuo recria-se aquilo que poderá ser um escritório, mas um escritório de onde é possível às personagens viajar, metaforicamente sentados, em confortáveis assentos de um qualquer, metafísico, transporte público.
Em relação à trindade heterónima, que escreve poesia, temos em palco o futurista Álvaro de Campos e o mestre bucólico Alberto Caeiro, de fora ficou o heterónimo neo-pagão, Ricardo Reis, mas no seu lugar ficamos com duas originais criações Pessoanas, embora uma delas seja real, podem ambas não ter passado de recriações nascentes da necessidade de viver o amor como se espera do poeta “fingidor”, uma Ofélia Queirós, mulher de carne e osso mas também fruto da imaginação e recriação do poeta e outra, talvez o duplo feminino de Pessoa, a marrequinha Maria José.
Neste caso o turismo é infinito porque as abordagens aos textos de Pessoa também podem ser infinitas, esta peça apresenta-nos uma das trajectórias possíveis, se se preferir uma das leituras possíveis, mas não deixa de ser interessante constatar que de modo algum é sequer insinuado que possa ser a leitura definitiva, e é precisamente por isso que a dramatização destes textos ganha força. É um pequeno rasgão nas paredes do universo do poeta através do qual nos é permitido espreitar uma fracção do seu tempo infinito.

Esta peça, encenada por Ricardo Pais, esteve em cena no Teatro Nacional Dona Maria II e agora encontra-se em digressão pelo País.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Oscar It! but it won't make it any better...


O tema da inocência que perversamente pode ser um instrumento ao serviço do mal é sem dúvida fascinante. Neste caso temos Briony uma pré-adolescente com uma imaginação muito fértil e acesso a elementos ainda fora do seu alcance de compreensão mas que ao mesmo tempo se julga suficiente adulta para julgar e condenar prontamente os outros. Briony é uma criação do escritor Ian McEwan e é uma herdeira directa das personagens que habitam os romances de Jane Austen tal como é insinuado na citação que nos surge antes do início do romance. Neste filme, Expiação, ela encontra-se decalcada fielmente, aliás como todas as outras personagens e situações imaginadas pelo escritor. A adaptação de Christopher Hampton é perfeita, para alguns demasiado perfeita porque deixa pouco espaço à imaginação cinematográfica. Quem leu o livro não vai ficar desapontado a não ser que não tenha gostado muito do livro e nesse caso não é o objecto filmico que está em causa mas o objecto literário, até porque o primeiro é uma cópia quase exacta do segundo. A escrita de McEwan nunca se distância muito daquilo que é um romance, infelizmente não na tradição de Jane Austen, mas na tradição de Barbara Cartland, claro que com alguma pretensão intelectual. E nem o twist final acrescenta muito à dimensão dramática da estória que, embora possa ser surpreendente em retrospectiva, vem a revelar-se como uma muito fraca forma de expiação, isto porque não existe nenhuma forma de auto comiseração, nem a literária, ainda por cima apresentada deste modo, que sirva esse propósito quando o que está em causa é a vida de um ser humano. Na minha opinião Ian McEwan deve ser um dos escritores mais sobrevalorizados da sua geração, que publica regularmente e é muito popular nos países anglo-saxónicos e mesmo em Portugal, mas a sua escrita é pastosa, pesada, nunca levanta voo e encontra-se presa ao que de pior existe na tradição inglesa, não passando, na maioria das vezes, de um pastiche pouco conseguido da melhor tradição da escrita que tem tido origem nas ilhas britânicas.
Por isso o filme sofre do mesmo mal do livro tornando-se assim num objecto feito à medida dos leitores, ou potenciais leitores, do escritor mas que não irá muito mais longe independentemente da competência técnica e criativa das pessoas envolvidas na sua realização.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Lápis Lazuli

Quer se goste ou não do tom da crítica a censura é um gesto muito pouco civilizado por isso aqui fica o texto da Dóris Graça Dias como forma de protesto. Para quem não saiba é uma crítica sobre o último livro do Miguel Sousa Tavares, O Rio das Flores, cuja publicação foi rejeitada pelo Expresso.


A Redacção

Perdoe-se a franqueza. Há «parti-pris» que batem certo, mas para que a relativa se comprove, há que analisar o objecto sob suspeita

Anunciada como obra de mais de 600 páginas, com uma tiragem de 100 mil exemplares, esta, antes de ser já o era: «As pré-vendas on line do novo romance de Miguel Sousa Tavares, Rio das Flores, registaram mais de mil encomendas durante as primeiras 24 horas, um facto inédito para um autor português. O livro, cujo lançamento está marcado para dia 25 de Outubro, só chega às livrarias no dia 29.» Informava a editora a 19 daquele mês. Fomos pesá-lo numa simples balança de cozinha – fazia-nos falta este elemento informativo: 900 gramas. Suspense, marketing, quantidade, peso... faltava só verificar o que em literatura parece ser perfeitamente secundário: a qualidade.

Isso aí, isso aí... já nos parece mais subjectivo. Será? Comecemos pelos pastiches. E que tal uns «vencidos da vida» transpostos para fins de 1920? Não se chamam Carlos nem Ega, mas enfim, ecoa ali Eça que é um mimo. E um cheirinho a faenas, a caça às perdizes – tão do gosto da pessoa do autor (que maldade confundir egos e alter egos, mas há quem se ponha a jeito) –, coisas de homem, muito lido em Hemingway (cá entre nós, que ninguém nos ouve, um Nobel uma bocadito forçado)? Mas enquanto Hemingway nos faz balançar e zangar nos nossos «parti-pris» (mais uns) relativamente a touradas, caçadas, pescarias e coisas afins, com MST ficamos na mesma. Nenhuma simulação de exaltação, nenhuma garra, nenhuma inspiração; o que temos é uma morna descrição de gestos pouco cinematográficos, um descritivo meio jornalístico, longínquo ainda do despachado Hemingway.

E por falar em descritivo meio jornalístico, este romance, que nas palavras do próprio autor se deseja histórico, quando entra por esse caminho, regista um tom de Selecções do Reader’s Digest. Por vezes, parece que estamos numa sala de cinema nos anos 60, vendo e ouvindo os registos informativos que a censura nos impingia antes de um qualquer Música no Coração; outras, lembra-nos certos programas televisivos em que vemos imagens em movimento muito queimadas de um qualquer «raid» aéreo da 2ª Guerra Mundial acompanhadas de sínteses vocálicas bem colocadas mas, contudo, sínteses.

Quanto às variantes descritivas de centros históricos, áreas urbanas, edifícios-chave, o tom é de prospecto turístico, onde não falta a curiosidade histórica, a anedota com personalidade internacional, a listagem de um menu, estilo: quando ir, como ir, onde ficar, o que e onde comer. Já agora convém referir que os citados hotéis Negresco e Carlton ficam, respectivamente, em Nice e em Cannes, daí que dizer que o arquitecto francês Joseph Gire, autor da «arquitectura do Copacabana Palace [se inspirara] nas do Negresco e do Carlton, de Nice» (pág. 327) tem qualquer coisa, no mínimo, de precipitado. E inútil, já que quem conhece, conhece; quem não conhece, fica na mesma.

Romance, romance... como a palavra anda desgastada. Quanto mundo é preciso percorrer, aprender, ter para escrever um romance. Quanta atenção é preciso despender, quanta imaginação converter, quanta distância compreender. Criar personagens não se basta por um acumular de lugares comuns, somando diferenças ilustrativas de tipos; há que não ser anacrónico na linguagem, nas exigências existenciais, nos enquadramentos territoriais. Se se pretende descrever uma mulher, convém olhar bem para elas, sob pena de se ser apenas grosseiro, quando se pretendia ser airoso. Para escrever um romance há que ser um «flâneur» e não um «poseur». Ou seja: perder-se e não julgar-se, à partida, encontrado.

Tudo o que MST disser sobre a sua própria escrita, o seu romance histórico é gratuito. Que o escreveu a pedido de muitas famílias, que passou três anos muito duros, quase dois a documentar-se e um fechado em casa a escrever, sem viajar: nada disto interessa a um leitor; nada disto interessa à literatura. É exactamente esta inversão de valores que faz de Rio das Flores uma obra menor, tão igual a um qualquer exercício de menino de escola semi-deitado de lado sobre o papel, trincando a língua num esforço de saliva e olhos estrábicos confluindo no bico da caneta. «Bela Redacção!»: diz o professor, relativizando o esforço e a idade do garoto.

Mas MST não é um garoto e se quer usar o seu nome, devia exigir mais de si do que a simplicidade de uma obra pretensamente bem engendrada. Em literatura isso não existe. Se pretende fixar história, nada como perder três, seis, doze anos a estudar uma época, para a registar – em 100 páginas; se quer escrever um romance, nada como reflectir sobre o que é a literatura, ler muito, e bem, que é como quem diz: perder-se. E se nunca se conseguir encontrar para escrever, ninguém lho levará a mal!

Dóris Graça Dias